Monday, October 30, 2006

Edouard Fraipont - Um Indeterminado


A exposição atual do artista Edouard Fraipont, no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo, aponta para ampliação de sua investigação.
Nas novas obras apresentadas, a imersão do corpo na paisagem favoreceu a condensação da matéria corpórea. O corpo, em trabalhos anteriores, era apresentado em ambientes neutralizados que guardavam para a figura corpórea sua desmaterialização em luz. Esta atenção dada para a desconstrução da imagem corporal em silhueta etérea gerava uma suspensão do tempo e do espaço. A imagem – pela sua caracterização em aura de energia, em imaterialidade – renunciava ao aspecto da materialidade do modelo e evocava a transcedência.



Sem Título, 2006



Com a situação da figura – agora adensada em uma forma corpórea tátil – em amplas paisagens beira-mares, temos uma potencialização da força de integração homem/cosmos. A figura humana se expande em prolongamentos luminosos enquanto que areia, mar e céu parecem receber silenciosamente este ser em dissolução ou expansão.



Sem Título, 2006
A mostra, realizada no cofre – subsolo do edifício -, se por um lado guarda esta agradável surpresa em relação ao processo artístico de Fraipont, que ganha novas possibilidades, por outro peca ao exceder na quantidade de imagens exibidas. Um número grande de obras ali reduz a força de alguns bons trabalhos. Algumas imagens geradas pelo artista são por demais próximas da construção – ângulo, luminosidade, enquadramento - de outras, e aparecem na mostra como eco. Outro fator que prejudica o artista é o núcleo da exposição – a parte interna do cofre - que recebeu uma mesa sobre a qual um conjunto de reproduções de imagens, em pequeno formato, reveladoras do processo do artista (fixadas em manta magnética) podem ser manipuladas e arranjadas pelo visitante nas paredes de metal. Estas imagens que deveriam ser descartadas pelo artista se juntam às das obras expostas no corredor, banalizando as de melhor resultado.
Temos, então, nesta exposição, dois momentos de dissolução daquelas poucas imagens que merecem receber a designação de “obra-de-arte”: 1o – quando o artista preenche todos os espaços do corredor, criando uma ruidosa apresentação de imagens que evocam o silêncio. Ainda a presença de tantas imagens inibe a força que algumas ganhariam se fossem vistas isoladamente ou próximas de poucas outras; 2o – ao expor, dentro do cofre, em pequeno formato, reproduções das obras já exibidas no corredor e juntá-las com outras tantas que são testes, experimentos mal sucedidos, e, ainda, favorecer a brincadeira de manipulação por parte do expectador, o artista faz com o sentido de seus trabalhos se dilua.
Em suma, a exposição é uma apresentação de alguns bons trabalhos que redimensionam a representação, a espacialidade e o uso da luminosidade na obra de Fraipont, porém também é um ótimo exemplo do que um artista não deve nunca fazer ao montar uma mostra: favorecer o apequenamento de seu trabalho.


Paulo Trevisan, 2006
ver:

Sunday, October 22, 2006

Marcela Tiboni - Arte como experiência com a Arte

A trajetória de Marcela Tiboni vem constituindo-se de trabalhos nos quais, sob o código da assimilação pela vivência e as experiências decorrentes desta, desvela-se a relação da artista com a Arte.
Suas obras são motivadas pela sinceridade da apresentação metafórica (que toda boa obra de arte carrega consigo) do olhar e do sentir, terrenos privilegiados na seara artística. Desta forma, para Marcela, o gesto do artista ou o olhar do artista se configuram impregnados pela própria matéria da Arte. E, deste modo, nos coloca que a Arte não se encontra apenas no objeto produzido pelo artista, mas em todo o processo desenvolvido por ele, manifestando-se, portanto, no momento da concepção e realização, e, também, na própria fruição realizada pelo espectador.
Em torno desta discussão sobre a Arte, o seu fazer e o seu sentir, a artista cria, de forma pulsante e densa, um breviário que acolhe todas as instâncias que envolvem uma obra de arte e seu fabrico. E assim nos evidencia: Poderia o olhar do artista não estar impregnado pela carga que carrega consigo de suas experiências de sensibilização e reflexão intelectual produzidas com a Arte, sua história, e seus processos? E este mesmo olhar já não guarda em si o gérmen que se constituirá num trabalho finalizado? E o gesto? Este, por sua vez, não é também matéria da Arte, na medida em que ele é elemento participativo do momento da criação?

O olhar do Artista, 2003
Fotografia
Colecão Particular, SP


Questões como estas podem ser postas a partir de trabalhos como ‘O olhar do artista’ e ‘O gesto da Arte’, ambos de 2003. No primeiro, um olho se apresenta em close em meio a tintas coloridas que parecem emoldurá-lo, mas que também insinuam originarem-se a partir dele próprio. No segundo, mãos aparentam tentar interromper, sob um fundo vermelho, um fio de tinta de mesma cor, que cai. Neste seu deslizar, a matéria, que escoa uniformemente sem vida, parece estremecer ao toque intenso daquelas mãos e insistir em continuar desconcertada seu percurso, ao mesmo tempo em que impregna de vibração cromática os membros obstrutores (ou vitalizadores?!).

O gesto da Arte, 2003
Fotografia
Coleção Particular, SP

Muito para além de ser, como ocorre em muitos casos hoje, um mero comentário a respeito do conhecimento sobre a Arte - fundamentado em informações, muitas vezes superficiais, da História da Arte - ou sem se deixar levar por uma metalinguagem vazia e por resquícios caducos da arte conceitual (que vemos invadir exposições), a obra da jovem artista Marcela Tiboni é dotada de uma sensibilidade e intensidade que atribuem ao seu percurso consistência e propriedade e a torna uma das mais vibrantes a surgir, nestes últimos anos, entre nós.


Paulo Trevisan, 2005


Tuesday, October 10, 2006

Elaine Porta - Pintura: Dança das Cores


As pinturas de Elaine são a apresentação da cor em conjunção dançante com a linha. Um conjunto de cores vivas que se rebatem por entre o desenho sinuoso de suas figuras. Nestas telas, os vermelhos se enlaçam com verdes claros e azuis. Os campos ocupados pelo cromatismo dão vida à euforia que contém a linha, nas formas de mulheres. O casamento da intenção com a forma é a alegre apresentação de figuras soltas, grafitescas, elegantemente desengonçadas. O contorno bem marcado destas mulheres zodiacais são representações de conjunções astrais marcadas pela Lua – de energia que impulsiona a dinâmica feminina na vida -, também se respaldam na despretensão astuta da fatura da criança. Se, então, o resultado é um feliz colorido cercaneado pela energia da linha que baila – o que revela a sinceridade do procedimento – este não se faz menos reflexivo e atento. Na obra de Elaine Porta a procura pela adequação do motivo à realização se mostra plena. Plena e intensa: tanto pela natureza da cor como pelo traçado da linha.
Paulo Trevisan
São Paulo, 2004

Sunday, October 01, 2006

Pra começar - Falar De Arte

Escrever é sempre uma tarefa complicada. Exige organização, paciência e motivação. E, escrever sobre Arte parece se fazer ainda mais difícil. Não obstante às demandas acima apontadas, a escrita sobre a Arte se revela mais árdua por ser trabalhada em terreno movediço, em sítio de espelhamentos e projeções.
Penso que a Arte (e, por extensão, tudo aquilo que a ela se relaciona) se configura como um poliedro laminado por espelhos que pode revelar possibilidades de combinações diversas em suas projeções. Combinatórias de projeções do indivíduo que se debruça sobre tal objeto - e o gira na mão, e também aquelas do mundo que envolve tanto o objeto como o observador. Contudo, esta visão multifacetada e plausível de arranjos – de nós e do mundo - parte do objeto, do reflexo de suas faces.
Acredito ainda que escrever sobre Arte é escrever sobre a cultura em câmbio. Nunca temos o objeto de arte por si só. Quando isso ocorre estamos trabalhando com o insuficiente. É claro que o objeto também se comunica por ele mesmo – naqueles aspectos que lhe são possíveis – os formais quase sempre. Porém, toda obra está impregnada da motivação que a desencadeou, e esta, por sua vez, não está livre de sua construção no tempo e no espaço. Portanto, falar de Arte é falar da experiência humana através dos tempos. É falar do pensamento encarnado e perplexo - consigo mesmo e com o mundo que o criou.
Neste blog me disponho a tratar da Arte. Aventuro-me porque o desafio assanha meu espírito. E a complexidade testa meus limites. E, como num jogo, vibro embalado entre sensibilização e ato de intelectualizar - nunca sabendo qual motivou qual.
Nestes textos, não procuro discorrer sobre “verdades” já ditas, mas sobre minhas vivências com obras e artistas. Não prego uma unilateralidade, uma vez que as obras abrem possibilidades distintas para cada receptor. Mas, como não admito o subjetivismo exacerbado, me detenho na sua existência real e no que em mim é motivado a partir do que ela me informa.
Também, não promovo, nestes escritos, uma pesquisa acadêmica que se proponha definitiva sobre algum assunto, e nem carrego, desta referência (produção de textos para a academia) a necessidade de se fazer legítimo por meio de citações (de textos anteriores ou de “autoridade”). Traço aqui um encontro íntimo entre mim e as obras, entre mim e o mundo.
Se, por ora, usar de juízos de valor, gostaria já, de antemão, apresentar os caminhos por que passei para emiti-los:
1- um juízo é resultado de uma comparação;
2- deve se dar de maneira claro para que aqueles que venham a ter contato com ele possam entendê-lo como legítimo ou não. E, pela transparência de sua estruturação, ser este juízo passível de discordância - fundamentada em argumentação que se articule sobre os mesmos pontos estruturais utilizados para a edificação deste;
3- uma obra pode ser analisada tomando outra como interlocutor;
4- uma obra pode ser discutida e avaliada dentro do percurso de seu autor;
5- um autor pode ser estudado, pelo seu percurso, tomando a trajetória de outro como contraponto;
6- uma obra, um autor, ou um percurso artístico podem ser analisados dentro de sua época, assim como fora dela. Para que isso se sustente e se torne lícito é necessário apontar os critérios adotados nesta articulação.

Procurarei me manter atento ao modelo de mídia escolhido (blog) e respeitar suas características: textos breves e atualização permanente.
Para aqueles que acessarem este blog, espero que possamos, por meio dele, compartilhar o gosto pela arte e pela discussão contínua que ela promove.
Então, dados os primeiros passos, não nos demoremos mais. Adiante, andemos nesta nossa longa caminhada.

Por hora, pra começar, é isso!!!

Até mais!!!!