Wednesday, February 14, 2007

Rodrigo Braga - O Impacto da Imagem e a Desmistificação da Atitude

Alguns trabalhos do jovem artista pernambucano Rodrigo Braga possuem o poder de nos causar o desconforto. E, em especial, as séries “Fantasia de Compensação” e “Risco de Desassossego” (ambas de 2004) e “Sem Título” (2005) criam em nós um incômodo inquietante.
O que nos interessa aqui por em questão é a validade desta sensação, uma vez que, por meio das etiquetas de identificação das obras, ou através dos monitores que trabalham nas exposições, temos a possibilidade de cairmos no desconcerto constrangedor ao tomarmos consciência do anúncio - escrito nas plaquetas ou dito oralmente - da manipulação digital das imagens.

Sem Título, 2005
manipulação em imagem digital

Ao nos apercebermos deste jogo visual ludibriante temos uma “decepção” em relação à intensidade e a força do impacto que teve sobre nós tais imagens.
Portanto, uma vez que o artista nos concede esta informação (a da manipulação da imagem) de uma maneira ou de outra, dispondo-a ao nosso alcance – seja pelas etiquetas ou pela orientação dos monitores –, podemos reorientar agora o motivo do seu trabalho não mais para a ação do artista apresentada nas imagens fotográficas, mas para a problemática da função e do poder da imagem nas artes visuais e da veracidade da atitude do artista (que a partir das vanguardas tardias foi posta em destaque frente a outras características de um trabalho artístico, tais como o resultado formal, a habilidade de confeccionar manualmente e a materialidade da obra).
Se o anúncio da estratégia do artista para a constituição de seus trabalhos é dado de maneira tão imediata e espontânea – o que a princípio pode nos causar uma sensação de falência da obra – temos que nos atentar justamente para esta estratégia – a do revelar, explicitar esta artimanha - e perceber que é neste intervalo criado pelo jogo entre o que e como se apresenta na imagem e a ilusão que estas realmente são, é que se estabelece a força do trabalho de Rodrigo Braga.



Fantasia de Compensação, 2004
manipulação em imagem digital


Num período posterior a manifestações radicais exibidas por Marina Abramovic, Hermann Nitsch, Gina Pane e Rudolf Schwazkogler, entre outros, o artista brasileiro parece deslocar o foco do problema da obra da atitude – que era a força nos trabalhos dos artistas mencionados – para o impacto da imagem por si só.
Não sendo fruto de ações contundentes, agressivas e viscerais, as imagens fotográficas de Rodrigo criam a nulidade do primeiro efeito que nos geram: o da repulsa, o da experiência estética do feio, e o do choque.
Ao nos deparamos com as obras do artista, duas sensações nos percorrem automaticamente: 1) a do incômodo - pela recusa por ser uma verdade que nos agride, mas que também nos atrai pelo magnetismo que temos por aquilo que negamos; 2) a de frustração - por nos apercebermos acometidos por sensações correspondentes àquela verdade dos “registros documentais” e logo em seguida constatarmos a “fraude” promovida pelo artista que anula a experiência anterior.
O sentimento de confusão entre querer a realidade do que se apresenta na imagem - para continuarmos com a experiência do impacto - e a negação da verdade que desmistifica aquela ação, a banaliza, a traz para o nível do “truque” é o sentido mais profundo nestas obras do artista.



Risco de Desassossego, 2004

manipulação em imagem digital


Nestes termos, estes trabalhos são exemplos bem sucedidos do poder do artista quando este descobre pontos de tensão que podem dar continuidade aos desdobramentos da arte hoje - tantas vezes banalizada por estratégias pobres e derivativas sem imaginação e/ou inteligência.


Paulo Trevisan, 2006

ver:

http://www.rodrigobraga.com.br/

Thursday, February 01, 2007

Cássio Vasconcellos - Imagens da cidade


Os trabalhos fotográficos de Cássio Vasconcelos apresentados em sua última mostra na Galeria Vermelho reforçam o uso de procedimentos adotados pelo artista já há algum tempo como elementos constitutivos de seu modo de perceber a urbe.
Nestes trabalhos, imagens da cidade são recortadas e fixadas em hastes que compõem um ambiente. A obra facilmente receberia a categorização de instalação, mas acredito que o interessante - muito mais do que pensar se o trabalho é uma instalação, fotografia ou “foto-contaminada” - é perceber o que ela pode propor como leitura, como significado nesta relação da imagem fixada pelo artista e transposta em fragmentos para o espaço.
Na sala da Galeria Vermelho, a imagem da cidade – dividida em vários suportes – fragmentada, parece reivindicar sua reintegração numa única configuração. Mas percebemos que existe uma resistência evidente entre as partes formadas pelas hastes com os fragmentos que interferem na rearticulação da imagem, não permitindo que ela se forme totalmente em nossos olhos sem a constatação de um “eco” – um ruído espacial existente entre as partes. Em suma: buscamos, na sala, por uma posição que nos coloque defronte àquela imagem da cidade e que possa nos possibilitar a melhor visão de sua integralidade, no entanto esta não se dá com êxito total.















São Paulo, 2006

Vista da exposição na Galeria Vermelho-SP


A fragmentação da imagem, mais especificamente, da imagem da cidade, nos põe diante do dilema unidade/fragmentação que é a natureza intrínseca da cidade.
Composta por partes, uma cidade é a soma dos conjuntos que a compõem. As pessoas que transitam pelos espaços urbanos possuem uma percepção parcial do ambiente no qual estão inseridas. E esta percepção cambiante vai se transformando de acordo com a localização da pessoa – se esta se encontra numa calçada, num automóvel em uma avenida, ou em uma janela de um edifício pequeno, ou ainda se ocupa um terraço de um arranha-céu. No final, o que temos é a soma deste conjunto de visões e percepções formando a noção geral que constituirá a imagem mental daquele meio. Por certo então, nunca a imagem mental é formada por uma única visão, mas pelo contrário – ela se constitue da totalidade múltipla das diferentes percepções espaciais da urbe.
É neste campo, onde ocorre o embate entre captação, elaboração e reelaboração da imagem (da cidade) que se situam algumas das mais importantes obras de Cássio Vasconcelos – como a apresentada na Galeria Vermelho e aquela apresentada na Arte/Cidade Zona Leste (2002). Nestas obras o artista faz com que o espectador de seu trabalho busque um ajustamento corpóreo diante dos fragmentos fotográficos dispostos no espaço e que este favoreça a construção da imagem integral daquele ponto de vista da captação do registro fotográfico.



Uma vista, 2002
1 fotografia composta por 67 ampliações fotográficas,
70 luminárias e um visor (400x900x120cm)
Vista da exposição Arte/Cidade Zona Leste, Sesc Belenzinho-SP



O jogo entre imagem e espaço, percepção da imagem e construção da imagem, imagem física (foto) e imagem mental faz com que a estratégia aparentemente simples de cortar e dividir a imagem fotográfica - imagem em corpo físico - ultrapasse o mero ilusionismo e abra caminho para camadas mais densas de significados que possam existir entre os focos postos pelo artista: a imagem fotográfica e o espaço real; a construção da imagem mental e a percepção do ambiente urbano que a gera, e, ainda, o embate dúbio entre imagem capturada (no caso fotograficamente) e imagem mental (elaborada pela soma de múltiplas imagens percebidas).


Paulo Trevisan, 2006


São Paulo, 2006
Fotografia